outubro 05, 2006

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1944


"Não havia ninguém na sala, parecia que nunca houvera alguém em lugar algum. Ela parecia a única pessoa que já pisara na face da terra. Em seu apartamento nem o sol entrava pela janela, somente pelas frestas que a madeira velha deixava escapar. Faziam exatamente quatro anos que ela estava sentada ali, na mesma poltrona, com aqueles mesmos olhos, olhos de saudade e o sentimento de tortura a que submetia-se ao longo destes anos. "Como pude não morrer???" ela se perguntava, pois nem fome, nem sede, nem sono ela havia sentido em todos os anos em que passara sozinha naquela sala. Lembrava-se exatamente de como era o mundo lá fora, os detalhes dos anos 30, a luminária à sua esquerda. Ela sabia que ainda funcionava, sabia que qualquer coisa ao seu redor poderia funcionar. Tudo estava coberto pelo pó, pois há anos não se importava com isso, os ratos eram seus amigos, faziam silêncio ao seu luto, davam vida ao seu túmulo. Queria morrer, poder descansar e acabar com o sofrimento em que mergulhara desde que seu marido fora embora, deixou-a com um beijo sincero e disse que voltaria à Alemanha quando tivesse condições. E lá estava ela, sentada da mesma maneira em que estava quando ele saíra por aquela porta, a mesma que ela olhava há quatro longos anos... Pensava que dia deveria ser, que horas eram, em que mês estavam, pelas suas contas deveria ser o ano de 1944, talvez mais, não saberia responder se lhe perguntassem. Onde estaria seu marido? A carta de despedida, cheia de amor que lhe deixara ainda estava em seu colo, amarelada pelas lágrimas, ela ainda lembrava o que estava escrito nela. "Fui convocado para a Guerra, meu amor. Volto logo, pois te amo. Estarei com o pensamento em ti, esteja me esperando. Beijos." E há quatro anos ela espera, sem fome, sem sede, sem sono. Seu amor voltaria, sabia disso. Esperava a cada segundo que ele entrasse por aquela porta. Esperava a cada momento escutar novamente a voz dele chegando em casa e cantarolando uma música qualquer. Há dois anos um entregador de cartas deixou um comunicado à beira de sua porta. Ela não leu. Não se levantou, pois sabia que deveria esperá-lo ali. Seu último pensamento foi se a Guerra havia terminado. Sua resposta era não. Quando sentiu que seu prédio tremia e desabava, prendeu a respiração e fechou os olhos. A Guerra o levou e agora me leva à ele. E em seus lábios um sorriso abriu-se, como um agradecimento à morte e ali a mulher se foi, sem que ninguém percebesse, sem que ninguém se importasse. Iria encontrar quem realmente importava. Era justo. E nem dor ela sentiu, nem um som ela fez, nem pensou em se salvar. Ela amava e era tudo. Segurou a carta com força, e acompanhou alheia ao desespero à sua volta. Sorria, pois a angústia não mata a saudade... e agradeceu a ida ao encontro de seu marido, seu único amor, para sempre."
[Esse texto eu escrevi em 1993, tinha 13 anos, e decidi colocar aqui porque... porque sim, oras!]

3 Thoughts:

Anonymous Anônimo declare...

13 anos e já viaja bonitaço na maionese.

Por isso eu sempre digo que essa guria tem jeito pra coisa.

Nem com 100 anos eu escreveria um texto desses.. vsf!

Bxu.. coisa linda.

5:37 PM  
Anonymous Anônimo declare...

E o mundo perdeu uma escritora de muito talento para a Dell. Mas não percamos a esperança a Drika ainda mantem uma veia ou melhor uma artéria literária que flui neste blog. Continua assim menina.

8:10 PM  
Anonymous Anônimo declare...

Puxa, muito bom Double Z... Com 13 anos já tinha o realismo fantástico na veia, ou melhor, na artéria ;)
Tu leva jeito pra coisa, guria. Segue escrendo, pro teu bem e para o nosso também!!!

Um beijo e bom final de semana,
Otto

PS: Por acaso tu já leu Borges? Teu conto me lembrou muito as escritas do Borges.

12:38 PM  

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