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Acho que nunca escrevi sobre isso aqui no blog... não é segredo de justiça e muito menos segredo meu com as pessoas, que eu fui atropelada em 2003. Foi um acidente bem feio, feio mesmo. Depois de praticamente 6 anos, onde só agora eu consigo retomar as coisas da minha vida e tudo se encaminha pra dar certo, o cara não reabre o processo colocando a culpa em mim? Vê se tem cabimento uma coisa dessa? Pra que o cara não assume a culpa, pra que ele não cala a boca e some da minha vida, pagando os miseráveis reais que me paga por mês por ter modificado a minha vida inteira??? Eu sou tão tranquila quanto a isso... quanto à situação em que ele me deixou... quanto à tudo que eu deixei e deixo de fazer.... jogar meu futebol, dançar normalmente sem parecer um robô biônico... dar uma corridinha pra pegar o ônibus ou descer uma escada pulando, subir uma escada com facilidade, acordar de madrugada e simplesmente com duas pernas ir ao banheiro... ou poder ir na cozinha sozinha e trazer um copo de água pro quarto. Coisas que eu aceitei na boa, mas que me fazem uma falta gigantesca. Mas sabe, eu sou até meio displiscente com esse assunto, e acabo passando o dia envolvida com as coisas sem pensar no que aconteceu. Só que existe um momento em que todos os dias eu paro, penso... e sinto uma tristeza que chega a me apagar um pouco do mundo. Não tem como não deitar a cabeça no travesseiro e não pensar. Vejo meu filho, ali, dormindo do meu lado, quietinho, e fico imaginando o quanto eu gostaria de poder ter feito muito mais do que eu fiz. E olha... nem assim eu perco a minha mania de querer ser feliz. Durmo, sonho com o acidente, sonho com os hospitais, sonho coisas com dinossauros e panelas, ou nem sonho, mas acordo no outro dia e não tenho outra opção... não levanto mais sonolenta e vou de olhos fechados pro banheiro lavar o rosto. É muito mais complicado que isso. Mas isso não faz com que eu desista. Nada fez com que eu desistisse, mas não por achar que eu "mereço" estar assim! Isso não! Mas pelo simples fato de que as coisas são e somente são, simples assim, e existem coisas que não se tem o que fazer. Só por isso. E aí recebo a notícia de que o sujeito decidiu colocar a culpa em mim, de novo:

"Apela o demandado sustentando que a autora atravessava a via pública, à noite, com roupas escuras, em uma curva, local onde não havia iluminação devido à quantidade de árvores existente. Ante o repentino aparecimento da pedestre, a motocicleta com ela colidiu na parte lateral esquerda frontal. Evidencia ainda que a realização de transação no processo-crime não implica reconhecimento de culpa."

Então não posso mais usar roupas escuras, tenho que exigir iluminação pública ou andar com um poste só meu, pra que as pessoas decidam que não se precisa andar à 100km/h em plena avenida, testando uma moto gigantesca pra ver se compra. Porto Alegre tem árvores demais? Eu tenho a capa da invisibilidade, que eu tirei de repente quando vi ele e pensei: é agora que eu tenho a chance de ser atropelada! Ah, cara... Que merda é essa?!
Fico imaginando o que se passa na cabeça dele... e na de todas as pessoas que exigem dos outros aquilo que não lhes pertence: a razão.

Post desabafo, sim, porque eu realmente me abalei.
Agora é esperar ser chamada pra mais uma audiência, colocar minha documentação (que me traz péssimas memórias) embaixo do braço e olhar novamente pra cara dele, que eu nunca mais na vida vou esquecer. Provar que eu não tive culpa. Provar que não estou mentindo, e que sim, ele foi imprudente. Tenho o trunfo da "pena" que causo quando apareço assim, "uma menina tão jovem...", mas não sei até que ponto isso me condena a não ser vista, e sim, olhada.

Imagino a vida me balançando nos braços... "vai passar... vai passar..."...